A Agonia dos Devolutos

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Agonia dos Devolutos

Antes da crise do Subprime, da falência da Lehman Brothers em Nova Iorque, ou da intervenção da Troika em Portugal, que o incremento da construção, nomeadamente da habitação nova, era sentida desde os finais dos anos 70, atingindo o valor máximo de área habitável em 2002, segundo os Censos nesse intervalo de tempo.

Paralelamente, o mercado do arrendamento em Portugal,  era sentido de um modo decrescente, face ao crescente mercado da habitação nova, onde se concluiu, que ao atingir o ponto preeminente em 2002, resultou inevitavelmente no elevado excesso de habitação por estrear face à demografia daquele tempo, esta última, que ficava aquém do espaço projectado para ser habitado.

Sob este método, tornou-se num negócio rentável para as entidades financeiras poderem emprestar dinheiro, presumindo-se a sua subsistência durante vários.

O esquecimento dos edifícios “antigos” ou considerados devoluto nos centros da cidades, são o resultado da sanha desgovernada contendo circunscrita na sua ideologia a atitude de – anti-património – entrando numa espécie de delapidação arquitectónico e cultural, e que peca pelo desleixo, pelo abandono, pela desumanização dos centros históricos, estes que perigosamente são vistos como espaços turísticos, devido à especulação imobiliária aviltada para com o património existente e sua propensão para valores desmesurados no mercado de venda ou arrendado.

Os centros das cidades ficaram abandonados, com edifícios em estado de agonia, cercados por periferias desordenadas de classe média, sob a ausência de uma gestão do ordenamento do território clarificador, eficaz e verdadeiramente ordenador. Por vezes descaracterizados ou simplesmente deixados ao desleixo, por falta de estímulos ao investimento, os agonizados são o reflexo de uma ideia corrompida de progresso criando conturbações intestinas no seio das cidades. Não porque os centros históricos tornam o mercado refém, tornando os valores de rendas exorbitantes, mas pela cultura desenfreada da obra feita das periferias dos anos precedentes, somente pela senda em adquirir habitação própria, em que largos anos foi mais apetecível face ao arrendamento dos centros, culminando na implosão em 2008, com a crise dos mercados e inevitavelmente da construção gerando recentes devolutos.

Hoje, com o investimento a subir gradualmente no mercado imobiliário, os investidores voltam-se para o mercado da reabilitação, e os benefícios que esta tem. Pela localização dos edifícios, pelo seu restauro, pelo valor patrimonial, pelo retorno do dinheiro investido através das rendas, contribuindo assim, de uma forma colateral, em devolver à cidade um pouco do seu “espírito do lugar”, equilibrando o desequilibrio da não-intervenção nos centros urbanos no que se refere ao seu parque habitacional.

Os arquitectos contemporâneos vêem-se hoje com a possibilidade de os requalificar, de os melhorar, de regenerar a cidade, ou mesmo, de os salvar, trabalhando estes achados, alguns, não muito distantes do conceito arqueológico, e que exigem serem manuseados por meio de “pinças”, face a acuidade necessária. Os profissionais da arquitectura terão um papel fundamental na reconstrução e avivamento dos centros, restaurando auras perdidas de edifícios moribundos, sem a nefasta descaracterização do desenho do edificado, projectando com as necessidades do tempo actual, evitando os reducionismos perigosos, mas decifrando a ténue linha entre a pré- existência e a intervenção do arquitecto.

Exposta à crítica dos demais intervenientes da cidade, a reabilitação reveste-se assim de carácter político, ao relacionar-se inevitavelmente com as pessoas e a cidade.

A reabilitação é uma afirmação de dignidade e perseverança, extrapolando o conservadorismo para um novo desenho requalificado, mas que está em harmonia com o existente.

Os arquitectos trabalharão a reabilitação como soma de manifestações sociais de um tempo actual, onde a azáfama da vida contemporânea e a velocidade a que hoje a vida moderna está sujeita, é traduzida em intervenções de carácter contemporâneo, que vivem em comunhão com os elementos arquitectónicos de um tempo passado, de sistemas construtivos daquele tempo, sem com isso descaracterizar o edificado que a cidade sempre conheceu, (re)construindo assim, a magnificiência dos centros urbanos, através de novas existências, ou renovadas existências, renovando a paisagem construída, sem prejuízo para as características que identificam os centros urbanos, colmatando a agonia dos devolutos.

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