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O termo ´reabilitação´, através da prática de projeto, tem tendência a ser pernicioso ao âmbito da presente lei, pela objetividade do objeto ser alvo de uma intervenção profunda, ao retirar-lhe e reformular-lhe as suas características interiores, a sua estrutura, o seu espaço interior, com a integração de novos elementos visíveis nos vários alçados ou dotá-lo de uma melhor consistência estrutural. De um modo genérico, o projeto de reabilitação nunca isenta trabalhos de demolição fora da equação da intervenção.
Será assim legítimo colocar a questão: Tratar-se-á efetivamente de uma reabilitação no sentido de restauro ou de uma obra completamente nova trasvestida?
A solução para um bom projeto desta especificidade, encontrar-se-á no âmago do projetista e na sua capacidade de perceber o mundo real, relativamente ao contexto que rodeia o edifício. Um projeto de reabilitação será análogo a um projeto se fosse de raiz, mas que contem outro tipo de condicionantes. O projeto de reabilitação adaptar-se-á à estrutura antiga, mas sem a descaracterizar ou negá-la enquanto elemento estrutural do edifício.
A tarefa de projetar nestes contextos, deverá desencadear um processo onde abrange a relutância para manter as características do objeto que a cidade sempre conheceu cristalizando a memória do edifício para a cidade.
O objeto a reabilitar, tende a envolver-nos nele enquanto arquitetos, fazendo-nos sentir atraídos pelo seu magnetismo, onde de repente, os objetos de uma vida passada que este encerra, faz-nos questionar o que nos tocou ou impressionou e o porquê de querermos voltar a albergar vida, entre as suas paredes exteriores, que encerrarão uma renovada arquitetura.
Madeiras afetadas ora por humidade ora por ataques biológicos, pedras fissuradas ou quebradas, caixilharias obsoletas com os seus vidros estilhaçados, rebocos fendilhados, tabiques e gessos destruídos, telhas partidas. Estes são os materiais dos arquitetos, ali, dilacerados. Estes são os materiais que por empirismo dos mestres, foram devidamente emparelhados com compatibilidade, de modo a que se materializem numa renovada obra de arquitetura.
Para projetar sob um objeto parcialmente destruído, para inventar novas arquiteturas, será necessário ter em conta o método construtivo e também elementos não estruturais que lá se encontram, tratando-os conscientemente, substituindo-os conscientemente, demolindo-os conscientemente. O processo passa inevitavelmente por um trabalho de investigação e de memória para o restauro da peça.
A tarefa difícil de conciliar a nova arquitetura com a pré-existência tem haver com arte, intuição e engenho, mas também com objetividade e autenticidade.
Numa linha de pensamento em sentido inverso, as paredes exteriores de um edifício a reabilitar, correm o sério risco de serem apenas elementos que tornam latentes uma nova arquitetura, uma nova vivência, uma nova obra. A cidade tornar-se-ia numa espécie de estúdio de Hollywood que se renova, não de semana a semana, mas de vinte em vinte anos onde a falsa memória permanece encerrando novas construções. Em muitos destes casos, elementos estruturais na sua íntegra são preservados, mas deixaram de ter a função de serem elementos estruturais para a passarem a serem exclusivamente invólucros escultóricos.
Toma-se por exemplo a Baixa Lisboeta, onde seria ingénuo e tomado com leviandade, aplicar o conceito de Fachadismo com o parasitismo, para a memória das fachadas, quando o mais importante destes edifícios que compõem quadrícula da malha lisboeta, são a sua tecnologia estrutural em madeira de gaiola, que foi projetada e serializada a sua construção, para impedir o colapso dos edifícios após o terramoto de 1775 em Lisboa. Destruir este tipo de elementos estrutural dando-lhe insignificância, revelar-se-ia naturalmente quixotesco e diletante.
Mas isto acontece em planos de fachada que são escorados e preservados, para serem usados, para a incorporação de uma nova arquitetura pelo interior. Apenas para serem simplesmente planos “decorativos” da cidade e que hipocritamente, funcionam emparelhados a uma real estrutura pelo interior, pela necessidade de harmonização de uma rua, sob pena desta perder identidade.
O jogo ambivalente e dicotómico entre a arquitetura nova e a pré-existência da fachada, que está a transformar Lisboa numa outra cidade sob a senda do Fachadismo com a incorporação de parasitas que procuram a melhor adaptação, tomando o sério risco da cidade tornar-se num gigantesco teatro a céu aberto da vida urbana, cujo os bastidores, se concentram por detrás, das fachadas preservadas, remetendo para a perigosa correlação entre o termo parasita e a personagem que o encarna, enquanto entidade que aparece com ligação ao Teatro Grego, na Antiga Comédia e Nova Comédia Grega, transpondo para a Comédia Romana.
Aldo Rossi (1931-1997), sendo um arquiteto pós-moderno mas que defendia a atitude contextualista, num dos seus últimos diários, do seu último ano de vida, desabafa as suas frustrações, quanto aos desenvolvimentos das cidades, face às suas teorias preconizadas no ensaio de Arquitetura da Cidade e cujos os textos que ele produziu posteriormente, evidenciaria um pessimismo crescente no planeamento da cidades com a correlação dos factos urbanos com tom pessimista, retirando credibilidade ao movimento moderno, em especial ao conceito de machine à habiter, revestindo de factos moralizantes em que o progresso era apenas tristeza para servir a especulação.
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