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Fachadismo
A reabilitação de edifícios por recurso a retenção de fachada, identifica-se por ser um tema, que tem sido negligenciado, na procura de conhecimento mais aprofundado, pelos diversos quadrantes da sociedade, nomeadamente por: académicos, profissionais ou público em geral – de modo a questionar categoricamente, a continuação e necessidade deste método na reabilitação dos centros históricos, onde se entende neste trabalho, que a fachada tornou-se num elemento desvinculado do interior e peça fundamental de património a preservar em determinados casos.
O artigo da Arqtª Paula Melâneo (1975 -), na edição nº 256 do JA, destaca-se por abordar o problema, num contexto de recuperação económica após a crise dos mercados financeiros de 2008. Este trabalho já elencava uma série de sintomas, que fomentavam a prática da retenção de fachada, nomeadamente: o investimento através de Vistos Gold, aliado ao fraco investimento dos anos anteriores, o incremento do turismo na capital, a decadência dos centros urbanos e a sua carência por reabilitar, culminando na carência de políticas de arrendamento temporário. A autora ensaia o problema com a perceção liminar, de que este fenómeno, é uma discussão mais complexa, do que propriamente o que defendem opiniões populistas ou conservadoristas.
Se presentemente, a metodologia com recurso à retenção de fachada, revela ser uma metodologia não consensual entre a comunidade, qual a razão de ser continuamente implementada?
Face a esta questão, é pertinente compreender as razões que encaminham para a sua vulgarização e que se tornou normativa, mantendo a imagética urbana e os resquícios do passado, evitando a cidade tornar-se amnésica, ao manter a materialidade e desenho das suas fachadas.
O Fachadismo em Contexto Pós-moderno
Para evidenciar a distinção entre elementos, separados por espaçados intervalos de tempo, tem sido constatado na cidade de Lisboa, que a execução através de um corte abrupto de ligações entre as materialidades do existente e o novo, com a preservação da fachada exterior, de forma a criar a inequívoca distinção entre materialidades, tempos e métodos de construir, onde serialização industrial construtiva, domina especialmente sobre construções modernistas do início do Séc. XX em Lisboa.
Em última análise, a metodologia permite o ensejo para a pacificação de conflitos urbanos, com a possibilidade de acordos entre o passado e o presente, encabeçando o arquiteto James Stirling (1926-1992) afirmando a seguinte afirmação: “Facadism is an element of ´compromise thinking.”
Um conceito claramente pós-moderno que se entende que foi maturado e sedimentado, enquanto modus operandi na reabilitação de edifícios, após a segunda metade do séc. XX em Lisboa.
Um sintoma reacionário contra o dogma modernista. Um compromisso que pretende refletir o novo espírito do urbanismo, mas também pela necessidade de áreas urbanas, sejam passíveis para acomodar mudanças exponenciais do foro demográfico.
As Influências Atávicas, e a Influência do Pós-moderno
Esta visão contemporânea sobre o tema, pela importância em manter a fachada, revela conter raízes mais profundas, seculares até.
O tema encontra-se insinuado, desde o carácter escultórico das fachadas esculpidas nas escarpas em Petra, pelo Império Romano, até às semelhanças formais do período Barroco, enquanto elemento arquitetónico separador e ancestral com conotação de cenário. Ou mesmo no período do medievo em Portugal, pela procura da conceção do conceito de fachada, culminando no elemento jurídico enquanto plano que segrega o espaço público do privado com a introdução pela primeira vez do termo “fachada” no Decreto-Lei de 31 de dezembro de 1864, complementando ainda neste DL, com restrições, aos elementos compositivos deste elemento segregador.
O caso do projeto de Andrea Palladio (1508 – 1580), que em 1549 projetou uma nova estrutura envolvente para a Basílica de Vicenza, com a construção de uma fachada neoclássica, adjacente a uma fachada gótica de um outrora mercado, de forma a criar uma loggia, resolveu uma nova composição, onde o arquitecto colocou adjacentemente, uma nova materialidade para a nova fachada, afetando a composição original do edifício e integrando a nova estrutura. A sobreposição do novo limite da fachada da Basílica de Vicenza, surte um protótipo à época, pela separação conceptual da fachada e o interior, que nos dias de hoje, remeteria para uma forma inversa de Fachadismo, onde é a “pele” exterior que se adapta a uma pré-existência interior.
O período pós-moderno, resultou um renascimento histórico, com novos edifícios a incorporarem materialidade baseada em revivalismos, com a segunda metade do Séc. XX, a revelar uma constante dependência do passado para resolver o problema da fachada e da imagem espaço urbano. Esta preocupação foi transmutada para a reabilitação, onde por detrás das fachadas mantidas, levanta uma série de questões opositivas à conservação – que iria contra as Cartas de Património -, quando acontece com a modificação total interna dos edifícios históricos que estavam obsoletos, mas que as frentes desses edifícios, podem ser importantes para o caráter e aparência das áreas circundantes, sendo o seu redesenho interno e sua reconversão, os únicos meios de garantir a sua sobrevivência.
Desde os primeiros casos verificados de Fachadismo por retenção, tal como o edifício Heron 40 em Lisboa, que durante a década de 80, tem despontado para uma consciência cultural de preservar a fachada devido ao nível de degradação interior ou pela incompatibilidade funcional do novo programa, adotando um ecletismo descomprometido entre um desenho pós-moderno e um desenho modernista, combinação essa, que terá sido herdado do período Pós-moderno que se estava a vivenciar. Expressava-se assim, uma nova forma para “reabilitar” de forma eclética -, que viria a ser influenciada então, pela corrente Formalista Pós-moderna, corrente estilística esta, que sobrevalorizava a forma como conteúdo, enfatizando a dimensão comunicativa do invólucro, efeito da desconfiança para com o Funcionalismo, que ia sendo desacreditado a partir da 2ª metade do Séc. XX.
Em síntese, neste período neoliberal onde o Fachadismo Normativo eclodiu em Lisboa, atinge-se um novo estádio histórico, de caráter pragmático e normalizado para um novo tipo de existência da cidade, que exige estacionamento nos edifícios intervencionados, obrigando à demolição interior para a construção de caves para albergar estacionamento de forma a desimpedir espaço público, conforme indica o PDM 2012 de Lisboa, ou o Plano de Urbanização da Av. Da Liberdade e Zona Envolvente, pela necessidade da cidade que cresce para dentro.
A dualidade patente ao longo de todo o séc. XX até ao início do Séc. XXI, manifesta o intercalar de movimentos sociais e políticos enraizados na nossa cultura, com efeitos nos balanços entre a preponderância dos interesses individuais e sociais, emergindo assim, um novo conceito de renovar cidade, introduzindo-se uma metodologia em que a aparência falsa, domina as características das formas do passado e imagens da cidade, com o aval da influência do Pós-modernismo no mundo.
A valorização da fachada como mecanismo de ordenação e significação da cidade, é acompanhada pelo reconhecimento da fachada na evolução do conceito de património, como foi o caso da fachada de Norte Júnior do Heron 40 ou a fachada do Éden, este último, enquanto Património de Interesse Público em 1982.
A evolução do conceito de Património nas diversas Cartas e Convenções ao longo do séc. XX, referencia a evolução das práticas da reabilitação, da conservação e da recuperação, que de forma nem sempre consequente, vieram a contribuir a uma nova tipologia de intervenção no edificado existente, mantendo a imagem do limite exterior do edifício e a reconstrução total do seu interior, cujo na maior parte dos casos, a nova função do edifício assim impele, consagrando a fachada na ideia evolutiva de Património.
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