Lisboa “Gentrificada”

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Sob um artigo que escrevi há cerca de 3 anos – A Agonia dos Devolutos – alertava para a decadência do parque habitacional da cidade de Lisboa, quanto ao prolongamento da estagnação do investimento, que seria nefasto para a cidade, sob o ponto de vista económico, social e cultural.

Decorrido o tempo após esta reflexão, e olhando para os dados presentes do INE, tendo em consideração ainda a rubrica Viagens e Turismo da Balança de Pagamentos (fonte: Banco de Portugal), em 2016, as receitas aumentaram (+9,3%), face a 2015, atingindo 11,4 mil milhões de euros na área do Turismo, enquanto as despesas tiveram um aumento de 8,9%. O saldo desta rubrica atingiu 7,8 mil milhões de euros, espelhando um crescimento de 9,5% (+15,4% em 2015), sendo estes valores com maior peso na capital Lisboeta, não aferindo ao pormenor o seu real aumento.

No entanto, é clarividente que Lisboa entra na esteira, indiciada pela Organização Mundial de Turismo, como destino “obrigatório” a visitar, e igualmente seduzindo a investir principalmente no património, face ao amontoado de edifícios devolutos que existia nos últimos 3 anos, e que ainda existem, cujas obras de recuperação foram promovidas por investidores estrangeiros e cujo o destino destes edifícios recuperados, estão a moldar a socialmente Lisboa, numa perversa permuta de habitantes locais por habitantes com maior poder de compra.

A cidade é hoje um ponto aglutinador de massas numa cidade que oferece História, espaços culturais diversos, gastronomia e épocas festivas. Incrementando ainda mais esse preceito de estatuto aglutinador, o novo terminal de Cruzeiros do Arqtº Carrilho da Graça, promete trazer ainda mais turismo, este, contudo de passagem, mas que fomenta e consolida o desígnio da cidade para novos e rápidos negócios imobiliários.

Devido à intensa adesão turística, a cidade é percorrida por diversas tipologias de veículos, destinados para curtas distâncias, nomeadamente: autocarros turísticos, elétricos, tuk-tuks, Segways e até, um veículo anfíbio. A catarse turística é evidente, refletindo-se nos preços ao consumo e à habitação recuperada, evidenciando a “turistificação” generalizada pela neoliberalização na cidade, colocando na mesma equação, a constante precariedade do trabalho no sector hoteleiro.

Apesar do turismo de características nómadas, Lisboa está a sofrer mudanças no seu paradigma social, cultural e urbanístico por processos ligados à gentrificação e “turistificação”, sendo o centro histórico mais fragilizado pela permutação de residentes permanentes com rendas até então congeladas, para dar lugar a negócios de Alojamentos Locais ou simplesmente para a venda da totalidade de imóveis ou frações a preços fomentados pela especulação imobiliária.

Este processo de gentrificação é dotado de fases – sendo a 1ª – o abandono de uma zona até à sua degradação de forma a possibilitar a desvalorização do m2 do imóvel, para se tornar incrivelmente rentável a privados, gerando máximo lucro, num processo que é assim cobiçado por entidades imobiliárias e entidades financeiras, que corresponde assim à 2ª fase da gentrificação.

Além de Lisboa estar a transformar-se num palco de negócios, concentrados em retirarem lucros avultados sob a senda do Turismo, preconizada por investidores estrangeiros mas também nacionais, os centros históricos estão a ser reconvertidos em áreas de lazer e consumo, assemelhando-se a um parque temático onde é possível dormir alguns dias e tirar prazer da cidade, em detrimento de bairros habitacionais permanentes, como é o caso da Mouraria e Alfama, onde 56% da habitação social foi substituída por Alojamento Local.

Assiste-se em simultâneo, a um incremento de 30% do valor das rendas nos últimos 3 anos, o que torna assim incomportável aos habitantes locais manterem-se no centro histórico, provocando um desequilíbrio social e favorecendo um urbanismo grosseiro e perverso, e que arrisca a transformar zonas da cidade em não-lugares.

O turismo massificado e como único argumento para a saída da crise de diversos negócios seja de hotelaria ao investimento na recuperação de património, está assim a colocar em causa o direito à cidade, regido por uma despótica troca de habitantes, onde a procura do maior lucro é o principal, assentando na falsa ideia de progresso.

Face às condições atuais, será imperativo regulamentar e limitar o Alojamento Local, havendo um melhor e ponderado ordenamento do território nas zonas históricas.

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