Lobotomia na Cidade de Lisboa

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Lobotomia à cidade

Como a operação urbanística que visa optar unicamente pela preservação da fachada de um edifício, recorrendo à demolição de todo o miolo interior, sendo este integralmente reconstruído, a prática do Fachadismo é moldado e alavancado pelo incremento do turismo na cidade de Lisboa, complementado pelo o envelhecimento e o declínio do centro urbano, fomentando o fenómeno da gentrificação, que se desenha no centro de Lisboa, e que impulsiona de forma categórica a sua atuação.

Constata-se que o fenómeno do Fachadismo é recente desde que existe capacidade construtiva para a acontecer esse método de “reabilitação” – que já advém da contenção de fachadas de cidades da Europa de edifícios totalmente destruídos pela justificação da guerra – , denotando o seu aumento pela operação, no período pós troika, em que Portugal esteve sob forte pressão das políticas austeras da Comunidade Europeia, de forma a sanar as suas dívidas externas, mas também interna, com a agravante, de não permitir a falência das instituições bancárias, incrementando o uso e abuso destas intervenções travestidas de “reabilitação” em Lisboa, criando colisão negativa à cidade.

Foquemo-nos em particular nas situações que estão a ocorrer na cidade de Lisboa, nomeadamente: no centro histórico da cidade, na Avenida da Liberdade ou mesmo nas Avenidas Novas e zonas envolventes a estas ramificações de expansão de Lisboa para Norte, para se denotar a fragilidade de empenas de fachadas que são suportadas por intricadas estruturas metálicas.

O desígnio deste tipo de “reabilitação” será presumivelmente para conter hotéis de luxo, habitações temporárias de aluguer, ou então, investimentos imobiliários para a obtenção de um Golden Visa.

Lisboa sempre teve este potencial de se reestruturar desta forma, e este é o momento da cidade competir com as grandes cidades europeias, ou mesmo mundiais para a captação de lucros rápidos a Câmara Municipal e investidores privados, cujos os proprietários dos edifícios não conseguiriam até a este momento de estabilização económica, o valor do preço/m2 praticado, face à crise que Portugal viveu nos últimos 10 anos. O valor das rendas e o seu congelamento, não permitiram que proprietários com edifícios na situação de precisarem de obras, pudessem obter os lucros que desejariam, viram com na saída da crise, a oportunidade de alienação dos seus imóveis, possibilitando a venda integral dos edifícios, sendo que os novos compradores o intuito da pela preservação de fachada e demolição de todo o seu miolo.

Poder-se-á afirmar que o Fachadismo, atua de forma similar como o conceito que Rem Koolhaas explana, de lobotomia, para os arranha-céus, preconizando a diferenciação de um exterior e interior, para os edifícios em Manhattan em Delirius in New York.

Paralelamente nas operações de lobotomia em Lisboa, as fachadas desligam-se do novo edifício envolvido pela fachada preservada, quebrando a relação moral que Koolhaas refere como uma postura e um cisma, na projeção dos edifícios ocidentais, fracionando a honestidade da fachada intacta, em relação ao novo interior desenvolvido. A fachada, deveria fazer revelações do seu interior, dando a liberdade aos arquitetos para as obras de Fachadismo em Lisboa, mimetizarem a atitude que Rem explica, com os edifícios em Manhattan, de um livre arbítrio da conceção de espaços que habitam o interior dos edifícios, sem a formalização de uma relação com o plano exterior.

Á semelhança destes edifícios construídos na ilha de Manhattan, igualmente os edifícios alvos de operações de Fachadismo são metaforicamente efetuadas desconexões entre o invólucro e o âmago, como se de um corte cirúrgico se tratasse. Rem clarifica:

 

Os edifícios têm um interior e um exterior.

Na arquitetura ocidental, há o postulado humanista de que é desejável estabelecer uma relação moral entre ambos, de maneira que o exterior faça certas revelações sobre o interior, que, por sua vez, as corrobora. A fachada “honesta” fala das atividades que ela oculta. (…)

Na discrepância deliberada entre continente e conteúdo, os criadores de Nova Iorque descobrem uma área de liberdade sem precedentes. Eles exploram e a formalizam com o equivalente arquitetónico de uma lobotomia – o corte cirúrgico da ligação entre os lobos frontais e o resto do cérebro, para aliviar alguns distúrbios mentais, separando as emoções e os processos de pensamento.

O equivalente arquitetónico separa a arquitetura exterior da arquitetura interior. (…)

Este potencial cirúrgico de lobotomia de gerar duas arquiteturas distintas, foi intensificado nos últimos anos, promovido pelo recente turismo massificado em Lisboa, e pelos investidores ávidos de um retorno de lucro de operações de reabilitação ao esventrar edifícios deste género. A arquitetura do exterior é aquela metropolitana, e que tem uma responsabilidade com a cidade em preservar memória, firmando um passado no presente através das suas epidermes escultóricas. Por outro lado, a nova arquitetura que fica pelo interior, é a que se torna facilmente mutável cujo o interior não é vislumbrado e perscrutado pelo exterior, sonegando as atividades que ocorrem no seu interior, formalizando a simbioses entre fachadas com historicismos e cortinas de vidro que se conjugam e se assemelham ao carácter de edifícios pós-modernistas, cujo a ornamentação, volta a ser integrada com a conjugação de grandes áreas de planos de envidraçados, que espelham a cidade em redor. Enquanto as fachadas exteriores ligam os habitantes de uma cidade por meio de semiótica a um passado, a uma memória, essa assume-se como uma distração para o que ocorre por detrás da fachada. Torna-se um agente de desinformação face ao que na realidade acontece no interior, tornando o que era uma cidade de certezas e convicções para se tornar em enigmas.

Rem Koolhaas em Delirius in New York, explica:

(…)

A lobotomia satisfaz às duas exigências incompatíveis impostas ao automonumento, gerando duas arquiteturas distintas. Uma é a arquitetura dos exteriores metropolitanos cuja responsabilidade é para com a cidade como experiência escultural.

A outra é um ramo mutante do projeto de interiores, o qual, usando as mais modernas tecnologias, recicla, adapta, e fabrica memórias e iconografias de apoio, que registam e manipulam as mudanças na cultura metropolitana.

(…)

Ao deixar intacta a ilusão de uma paisagem urbana tradicional do lado de fora, essa revolução garante a sua aceitação por ser impercetível.

(…)

Os proprietários que seguraram durante anos os seus edifícios abandonados ou arrendados em condições precárias com preços de renda residuais e que impossibilitaram ao longo dos anos, a manutenção dos edifícios, mantiveram a inércia de os vender, pois o estado do mercado, não proporcionava lucros consideráveis. No entanto, viram nos últimos anos esta oportunidade ganhar consistência e tenacidade, incentivados por uma espécie de efeito Madonna, pela celebridade ajudar a divulgar a cidade de Lisboa no mundo.

Complementando a inércia dos proprietários em manterem os edifícios em ruína ao longo dos anos, foi possível igualmente com a conivência da Câmaras Municipal, que apenas obrigaria à intervenção aos edifícios em declínio por parte do proprietário, aquando as mesmas débeis construções, representassem riscos de colapso, e que isso pudesse colocar em causa a segurança pública.

A abnegação pela manutenção dos edifícios por parte das entidades municipais e sua displicência perante degradações forçadas, por vezes até de património classificado, através do destelhamento ou de vãos esventrados, ou mesmo de demolições ilegais, que resultou num processo acelerado de delapidação do património, atingiu graus irreversíveis para eventuais de reabilitações de restauro – na forma ortodoxa que deveria ser executada – e que colocou em causa as estruturas interiores, maioritariamente em madeira e outros elementos que estavam no interior destas fachadas.

No terceiro trimestre de 2016, segundo os dados fornecidos pela Câmara Municipal de Lisboa ao Seminário SOL, registava 53.400 edifícios, dos quais 7% estariam totalmente devolutos, perfazendo um registo destes imóveis abandonados de 3.900, sendo que é nesta tipologia de estado de degradação que o mercado tem sido devorador, nomeadamente para fins residenciais, recebendo o estatuto de luxo, opulentos nos seus acabamentos, para a senda da comercialização, mas que também se incluirá, evidentemente, no mercado de alojamento temporário.

Mesmo o património municipal não escapa à senda de pretensão de alienação para os colocar no mercado de venda, que são aliendos em hastas públicas, justificados por inúmeras razões de negar o restauro, sejam por questões técnicas ou económicas cujo a Câmara não tem interesse em manter-se como legítima proprietária.

Promotores com capitais estrangeiros terão uma atitude muito pragmática, e pouco sensíveis às questões urbanísticas de integração do edificado, que ficará posterior à fachada na operação de Fachadismo, mas também a falta de sensibilidade em preservar a memória do interior do conjunto, exceto os alçados principais. Aqueles que se enquadram neste padrão de demolição do interior dos edifícios, pretendem obter o máximo rendimento disponível que o mercado lhes oferece no momento atual, obtendo vantagens na preservação da fachada, desligando-a do seu interior. Habitualmente estas operações em Lisboa, ligadas às fachadas modernistas com elementos historicistas, justificam a sua preservação, quer por impedimento da demolição da lei e das diversas entidades que regem a reabilitação em Portugal, quer pela valorização do edifício “reabilitado”, edificado em pouco tempo de construção.

A estes promotores, não lhes interessa reabilitar efetivamente a cidade, dentro da ortodoxia que a palavra “reabilitação ou restauro” deveria ser entendida, promovendo com essa atitude, o esquecimento aos habitantes da cidade, mas jamais a frente de rua.

Este fenómeno toma ainda mais robustez, quando a entidades emissoras – e de momento mais do que nunca – despacham os processos de reabilitação sem precedentes, uma vez que esta operação urbanística se tornou prioritária nas políticas de desenvolvimento urbano, com o intuito natural de valorização das cidades e recuperar o parque habitacional da cidade de Lisboa.

Estas entidades que regulam os centros urbanos a nível nacional, nomeadamente: a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), e a localmente, os municípios Regionais da Cultura ou as Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) justificam-se em Classificações, PDM´s e PP ou na Secção de Património Arquitetónico e Arqueológico do Conselho Nacional da Cultura, etc. para a emissão autorizações para se iniciarem as obras de Fachadismo, cuja a operação não está regulamentada.

Maioritariamente advém dos próprios promotores em manter a fachada por várias razões: célere aprovação de projetos de arquitetura e obtenção de licenças de construção, pela sua coerência formal com o circundante, para manter cérceas (note-se apenas na fachada preservada) alinhamentos, geometrias e notoriamente, a falsa preservação da essência do edifício que apenas é transmitido pela fachada para a rua, mas que o seu interior não tem ligação com o exterior. Esta metodologia está igualmente associada além da celeridade do processo, como atrás referido, também evita criar questiúnculas com a opinião pública, e assim, transmitem a sua intenção previamente ao projetista da obra, onde este naturalmente, quererá preservar a fachada seja por questões de sensibilidade, ideológicas ou pragmáticas.

Indubitavelmente este processo de demolição do miolo dos edifícios reduz as possibilidades de um novo valor cultural e arquitetónico das cidades com a destruição de elementos interiores.

Além da regulamentação existente no âmbito da reabilitação é complementada pelo Decreto-Lei nº 53/2014, de 8 de abril (RERU), que “estabelece um regime excecional e temporário a aplicar à reabilitação de edifícios ou de frações, cuja construção tenha sido concluída há mais de 30 anos, ou mesmo localizados em áreas de reabilitação urbanas (ARU), sempre que estejam afetos total ou predominantemente ao uso habitacional”.

A dualidade deste regulamento é que pretende colmatar incompatibilidades em situações difíceis de responder por edifícios habitacionais que merecem serem reabilitados, isentando-os da aplicação de determinados procedimentos normativos, por outra via, dá oportunidade à falta de qualidade e baixa exigência nas intervenções de reabilitação que deveriam preservar o que fica latente pelas fachadas, maioritariamente identificadas dos séc. XIX e séc. XX.

O resultado é um interior que é feito tábula rasa de trabalhos em elementos pétreos, de madeiramentos em talha, frescos, pinturas, gessos, azulejos da época, são substituídos por elementos como o gesso cartonado minimalista na “reabilitação”, cuja maior pretensão, foi de obter os maiores ganhos com materiais mais económicos, – face aos que existiam inibindo o restauro – para a exponenciação de valor comercial da nova reabilitação, que na realidade, é um edifício de se poderá caracterizar de construção nova.

Contudo, o tema do Fachadismo tem um carácter ambivalente. Desde que as técnicas construtivas o permitem, seja por catástrofes naturais que causaram degradação aos edifícios ou mesmo por delapidação dos mesmos resultante das guerras, muitas das fachadas na Europa foram preservadas, procedendo de seguida à edificação de algo novo por detrás. Este fundamento é justificado pela intenção de recuperar uma memória da cidade ou de a cristalizar, sempre com o intuito de salvaguarda de um determinado património que relativiza determinado ambiente ou lugar.

Olhando através do ponto de vista do restauro, entre os aperfeiçoamentos de estilo preconizados por Violet-le-Duc e a sua crítica e a oposição a um restauro integral que consta na Carta de Veneza, abrindo a oportunidade à colagem.

É possível colocar igualmente na equação, a hipótese que o período Barroco representou a “invenção da fachada”, ganhando saliência neste período ao identificar-se a cidade Barroca análogo a um grande palco, artificial, ligada aos efeitos cénicos, que reforçavam a ideia de cidade com elementos escultóricos e nestes casos, na procura da identificação de uma cidade com elementos artísticos. Como tal, o Fachadismo nos dias de hoje torna-se anacrónico.

Proliferaram nos anos 80 as fachadas em cortinas de vidro e alumínio, que de alguma forma, teve um grande impacto no tecido da cidade com a geração de arquitetos pós-modernistas, tendo o sector terciário como o maior promotor desse desenvolvimento de reaproveitamento dessas fachadas, para conter espaços de escritórios ou comércio.

Compreender a fachada como um elemento autónomo e não simbiótico com o seu interior, poderá ressoar com a fase de Pós-Modernismo e com a aplicação das cortinas de vidro nestes edifícios, que se mantêm virados para dentro, envolvidos pelas suas cortinas espelhadas. De uma forma análoga acontece em Nova Iorque com a massificação de edifícios em altura que contêm sector terciários, mas que se viram para dentro, expondo uma fachada espelhada.

Ana Vaz Milheiro refere:

 

Uma inversão do efeito predador moderno deu-se com o fortalecimento da sensibilidade culturalista pós-moderna, muito mais permeável às abordagens ecléticas (também elas de raiz culturalista).”

 

Atribui-se à fachada um elemento simbólico do que lá existiu, podendo retornar referências históricas, num deferimento da operação de fachadismo. A título de exemplo, como consensual e controverso foi então em 1983, a cenográfica intervenção na Casa dos Bicos, no Campo das Cebolas, em Lisboa, de Manuel Vicente (1943-2013) e Daniel Santa-Rita (1929-2001).

José Manuel Fernandes resigna-se à evidência pela defesa da fachada:

 

“É tempo de recorrer a uma «última arma», discutível, sem dúvida, mas muito melhor que a demolição pura e simples: a da preservação da fachada, e/ou parte do edifício em causa, integrando-a na nova construção; são só vantagens: não impede a escavação para pisos subterrâneos (…); permite o acerto das cérceas, através dos andares, recuados ou não, de construção nova; permite ganhos térmicos consideráveis (…); e tem ainda por si o factor cultural de não se perder a ligação com um pedaço de história da cidade, que antes fica assim «embutida», a fazer parte de uma nova história… e tudo isto para além de vir ainda a prestigiar o edifício (…) tudo pelo preço de não demolir o plano da fachada, durante a construção!”, José Manuel Fernandes, Editorial – Em defesa da fachada, revista Arquitectura n.º 146, Maio1982.

 

 

O incremento da população que é imprescindível para os centros urbanos serem habitados, obrigou a fenómenos como Fachadismo prolongar-se durante a aceleração da economia, mas igualmente para o aumento da densidade construtiva, é fundamental para repovoação dos centros urbanos. Estes organismos urbanos intricados no seu modo de coexistir com zonas ainda em consolidação ou por consolidar, provocam constantemente polémica na opinião pública. Os casos mais notórios deste tipo de operação encontram-se situados no centro da cidade de Lisboa, com enfoque na área circundante da Av. da Liberdade ou nas Avenidas Novas que se prolongam até à zona limítrofe do centro urbano que é o Campo Grande.

Perante a decadência dos edifícios em zonas consolidadas, fica em causa a sua total demolição ou preservação de elementos que possam serem passíveis de restaurar, mas que indubitavelmente, este último método apenas se cinge à fachada o que poderá resultar em efeitos perversos.

A demolição integral consiste em extinguir memórias do interior desses edifícios, testemunhos históricos e patrimoniais, para assim circunscrever renovados desenhos de arquitetura no interior dessas fachadas.

Para inverter esta situação, dever-se-ia exigir às entidades planificadoras maior seriedade e escrutínio, na aprovação do novo projeto, mas que tornaria o processo inevitavelmente mais demorado para a aprovação.

A manutenção da fachada mantém o subconsciente dos habitantes que vivem na cidade e celebra o legado histórico herdado do passado para conter um novo edifício. Esvaziando-se o miolo de um destes organismos deixando incólume a fachada, permite que o miolo degradado, se possibilite que seja totalmente renovado, implicando novos ambientes contemporâneos de segurança e conforto para um público exigente.

Inequivocamente que a operação não é consensual, divergindo em opiniões, de acesas críticas ou de preservação de um legado que permanece, contudo. No entanto, a perversão do Fachadismo encontra-se nas situações que já estão construídas, onde o interior já não reflete o que a fachada pretende ainda transmitir, visto que o fica por detrás é uma adição contemporânea, mas fraudulenta e desligada no contexto do desenho da fachada, reproduzindo uma estória falsa do edifício, vazia, desinteressante ou até inestética.

Ana Vaz Milheiro refere ainda:

 

“É o resultado literal de um determinado espírito neoliberal que encoraja desde então — em método collage — a manutenção das fachadas em interiores totalmente reconstruídos. Há uma linha de montagem já preparada que concorda que preservar equivale a manter (mais ou menos) a fachada preexistente”, 

Ana Vaz Milheiro no artigo do Público (22/09/2017) a propósito do apartamento de Fernando Medina na Avenida Luís Bívar, analisa a intervenção feita no antigo edifício de Norte Júnior.

 

Enquanto que as fachadas vão garantindo reminiscências históricas, no plano atrás destas crescem apartamentos desde os T0 aos T5 ou hotéis de inúmeras camas, entregues à voracidade da especulação imobiliária, que se regem não só pelo enquadramento do edifício na cidade, mas também com a pretensa carga histórica destes, que coloca em risco a autenticidade da cidade para se tornar numa “Disneyficação”, o que inflete num contraprocedente e num paradoxo, em delapidar a cultura Portuguesa para reunir e integrar uma nova.

Deduz-se assim que existiu ingenuidade da parte das Câmaras em antecipar o abrupto crescimento deste tipo de operações de fachada, ficando omisso de regulamentação para as manutenções de fachada – a sua viabilidade para se manter ou não – e uma definição para os limites destas propostas, nomeadamente na integração de cérceas ou materialidades.

São ainda escassas as políticas sobre as novas zonas a reocupar os centros nevrálgicos urbanos no que respeita a quotas de ocupação para alojamento local nos centros urbanos, sendo que as reabilitações a existir, não se deveriam destinar exclusivamente a habitações de luxo ou ocupação temporária, mas que possam coexistir com de caráter habitação permanente.

“O Porto Património Mundial incorre em perigo caso se repitam operações como a verificada no Palácio das Cardosas, advertiu o vice-presidente do Conselho Nacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), José Aguiar” (Lusa, 21/11/2017).

A seriação do Fachadismo nas operações urbanísticas ditas de “reabilitação” deturpando o próprio conceito de “reabilitar” que ao invés deste deveria ser restaurar, está a apagar os vestígios da história da cidade, em prol e exclusivamente dos investimentos, perpetrados por ávidos investidores.

Olhando para os dados presentes do INE, tendo em consideração ainda a rubrica Viagens e Turismo da Balança de Pagamentos (fonte: Banco de Portugal), em 2016, as receitas aumentaram (+9,3%), face a 2015, atingindo 11,4 mil milhões de euros na área do Turismo, enquanto as despesas tiveram um aumento de 8,9%. O saldo desta rubrica atingiu 7,8 mil milhões de euros, espelhando um crescimento de 9,5% (+15,4% em 2015), sendo estes valores com maior peso na capital Lisboeta, não aferindo ao pormenor o seu real aumento. No entanto, é clarividente que Lisboa entra na esteira, indiciada pela Organização Mundial de Turismo, como destino “obrigatório” a visitar, e igualmente seduzindo a investir principalmente no património, face ao amontoado de edifícios devolutos que existia nos últimos 3 anos, mas que ainda existem, cujas obras de recuperação foram promovidas por investidores estrangeiros e cujo o destino destes edifícios recuperados, estão a moldar socialmente Lisboa, numa perversa permuta de habitantes locais por habitantes estrangeiros com maior poder de compra.

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